O retorno do horário de verão, aventado pelo presidente Jair Bolsonaro em entrevista no início deste mês e cobrado por setores da economia que se beneficiariam com a mudança nos relógios do país é, de acordo com especialistas, uma medida que não teria mais relação com economia de energia e seria apenas uma forma de garantir aumento do consumo no final dos dias.
Bolsonaro admite que, se o povo quiser, volta o horário de verão
O economista e professor de direito ambiental Alessandro Azzoni diz que desde que foi extinto, em 2019, no primeiro ano da gestão do atual governo federal, o impacto no aumento de consumo de energia é mínimo.
“Não dá para se dizer também que não há nenhuma relevância nos gastos de energia. Podemos pensar assim, para ficar clara a situação: quando o uso de eletricidade está alto e a produção fica comprometida, entramos numa especie de cheque especial, à beira do colapso. Países que usam o horário de verão entram menos nesse cheque especial”, explica Azzoni.
A informação de que a alternativa não tem eficácia para evitar déficits no abastecimento vem do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Em 2019, a pedido do Ministério das Minas e Energia, o órgão preparou uma nota técnica reforçando a tese do presidente Jair Bolsonaro de que a mudança nos relógios seria inútil.
O atual diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, disse m entrevista no final de julho ao site Canal Energia que “a retomada do horário de verão não traz resultados [para a redução do uso de energia]”, uma vez que somente desloca o período de pico do consumo.
Atendendo a um novo pedido do governo federal, no entanto, o ONS está revisando a nota técnica que levou ao cancelamento, decretado pelo presidente da República em abril de 2019. Procurado pelo R7, o órgão disse que o estudo ainda não foi divulgado e não pode antecipar detalhes de sua conclusão.
Bolsonaro disse em entrevista à Rádio ABC, de Novo Hamburgo (RS), em 2 de agosto, que se a população quiser o retorno do horário de verão, ele se compromete a colocá-lo em prática outra vez. “Se mudarem de posição, eu sigo o que quiserem, sou um democrata.”
Outras vantagens
Mesmo que não sirva como solução para a crise hídrica que o país está enfrentando, outras vantagens justificariam a readoção da determinação de se adiantar em uma hora os relógios do país durante as estações primavera e verão.
“Alguns setores econômicos, como bares, restaurantes e shoppings, se beneficiam diretamente da medida. Como o anoitecer demora mais para ocorrer, as pessoas saem do trabalho com o dia claro e têm mais disposição para passear, fazer atividades físicas e consumir”, afirma Alessandro Azzoni, que acrescenta outra vantagem inusitada à mudança.
“A claridade aumenta também a segurança. Como as pessoas podem fazer com o dia claro atividades que fariam no escuro, o número de ocorrências policiais chega a cair muito nesse período.”
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) estima que a volta do horário de verão pode dobrar o faturamento no período da noite, momento de maior movimentação de clientes por causa do happy hour. A entidade pleiteia, em parceria com outras associações empresariais, a retomada do mecanismo principalmente após os grandes prejuízos sofridos durante a pandemia de covid-19.
Quando foi extinto, uma das alegações do governo federal foi a de que não havia mais sentido mudar o relógio já que o horário de pico de consumo havia se deslocado do início da noite para o meio da tarde.
Azzoni discorda dessa tese e diz que, na verdade, o horário da tarde se mantém como um período de baixo gasto de energia. “Nesses últimos meses, talvez, como 70% das pessoas transformaram suas casas em ambientes de trabalho, aumentou o gasto, mas mesmo assim não chega a ser o mesmo da noite, no qual não há mais a luz natural e é essencial acender as lâmpadas da residência.”
O economia especializado em direito ambiental afirma que mais importante do que adotar o horário de verão pensando em amenizar crises hídricas como a de agora seria fazer um amplo programa de substituição de eletrodomésticos antigos que ainda são utilizados pela população brasileira e gastam bem mais energia do que os aparelhos mais modernos.
“As indústrias também deveriam começar a investir pesado em fontes renováveis, utilizando e estimulando a instalação de placas fotovoltaicas pelo país, por exemplo.”
Histórico
Criado com a finalidade de aproveitar o maior período de luz solar durante a época mais quente do ano, o horário de verão foi instituído no Brasil em 1931 pelo então presidente Getúlio Vargas e adotado em caráter permanente a partir de 2008.
O primeiro país a adotar o horário de verão foi a Alemanha, em 1916. Atualmente, mais de trinta países usam essa tática para aproveitar melhor a luz do sol.
No entanto, mudanças nos hábitos do consumidor e avanço da tecnologia reduziram a relevância da economia de energia ao longo dos anos. Esse foi o argumento usado pelo governo para extinguir a medida, em abril de 2019.
À época, estudo do Ministério de Minas e Energia apontou que não havia economia de energia tão relevante. Isso porque, como o calor é mais intenso no fim da manhã e início da tarde, os picos de consumo aumentam nesse horário durante o verão, o que leva as pessoas a usarem mais o ar condicionado.